domingo, 16 de outubro de 2011


"Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes. A sua vida humana é cheia de tudo quanto constituiria uma série de angústias para uma sensibilidade verdadeira. Mas, como a sua verdadeira vida é vegetativa, o que sofrem passa por eles sem lhes tocar na alma, e vivem uma vida que se pode comparar somente à de um homem com dor de dentes que houvesse recebido uma fortuna — a fortuna autêntica de estar vivendo sem dar por isso, o maior dom que os deuses concedem, porque é o dom de lhes ser semelhante, superior como eles (ainda que de outro modo) à alegria e à dor.

Por isto, contudo, os amo a todos. Meus queridos vegetais!"

Bernardo Soares - Livro do Desassossego


quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sou muitas pessoas destroçadas*


EU SOU UMA FARSA! Sofro de um mal chamado profundidade superficial. Se em algum momento passado enxergava alguma pseudoevolução no meu espírito caótico, chego hoje, ou retorno, ou nunca saí do zero, do nada. A disputa travada entre a versão e subversão não tem vencedor até agora, talvez nunca tenha, ou tenha o cansaço a ter os braços erguidos no fim.

O que há de fato, é que diante da possibilidade real de rompimento com o banal, me vejo possuída por tal êxtase, que por vezes incontrolável, me leva a atitudes impulsivas que me propõem a sair do marasmo que essa existência regrada me condena.

“Tu tá ficando maluca!” “Tu tá diferente” “Tu me surpreendeu!” tenho ouvido tanto disso e coisas parecidas. E tenho gostado de ouvir e pros caros amigos que me dizem essas palavras, respondo que tudo está praticamente igual a diferença é que o que me atormentava no campo das idéias agora me atormenta no mundo físico.

Nunca fui uma mulher de meios termos, sempre detestei isso. Xingo, choro, grito, esbravejo, amo, odeio, sofro, caio, levanto, caio de novo, levanto novamente eis meu círculo vicioso e viciante. Mas isso é dado às almas imperfeitas, me lembra até Platão: o corpo é a prisão da alma, a alma tende ao divino, o corpo às paixões, o corpo é raiz de todo mal, fonte de amores insanos, inimizades, discórdia, ignorância e loucura. O corpo mata a alma. E como disse Eurípedes :Quem pode saber se viver não é morrer e morrer não é viver?” bom, mas isso é outra discussão.

Nessa corrida, olho de relance para os lados com medo de perder o pódio, vejo que algo me alcança. O que é? Não sei. Só o que sei é que a inquietude tem me mostrado muito sua face. Ah, eu não sou uma farsa!

*Verso de Manuel de Barros

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Animus Imperfectus


(...) " Porque, na verdade, oh deusa muito ilustre, o
meu coração saciado já não suporta esta paz, esta doçura e esta beleza
imortal. Considera, oh deusa, que em oito anos nunca vi a folhagem destas
árvores amarelecer e cair. Nunca este céu rutilante se carregou de nuvens
escuras; nem tive o contentamento de estender, bem abrigado, as mãos ao
doce lume, enquanto a borrasca grossa batesse nos montes. Todas essas
flores que brilham nas hastes airosas são as mesmas, oh deusa, que admirei
e respirei na primeira manhã que me mostraste estes prados perpétuos - e
há lírios que odeio, com um ódio amargo, pela impassibilidade da sua
alvura eterna! Estas gaivotas repetem tão incessantemente, tão
implacavelmente, o seu voo harmonioso e branco, que eu escondo delas a
face, como outros a escondem das negras Harpias! E quantas vezes me
refugio no fundo da gruta, para não escutar o murmúrio sempre lânguido
destes arroios sempre transparentes! Considera, oh deusa, que na tua ilha
nunca encontrei um charco; um tronco apodrecido; a carcaça de um bicho
morto e coberto de moscas zumbidoras. Oh deusa, há oito anos, oito anos
terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta e o
sofrimento... Oh deusa, não te escandalizes! Ando esfaimado por encontrar
um corpo arquejando sob um fardo; dois bois fumegantes puxando um arado;
homens que se injuriem na passagem de uma ponte; os braços suplicantes de
uma mãe que chora; um coxo, sobre a sua muleta, mendigando à porta das
vilas... Deusa, há oito anos que não olho para uma sepultura... Não posso
mais com esta serenidade sublime! Toda a minha alma arde no desejo do que
se deforma, e se suja, e se espedaça, e se corrompe...
Oh deusa imortal,
eu morro com saudades da morte!" (...)


"A perfeição" Eça de Queiróz martelando na minha cabeça!
Nunca, em tempo algum, a perfeição foi descrita com tanta imperfeição. ESPETACULAR!

Se é humano, só contenta-se com a mais bela e pura Imperfeição.

domingo, 5 de junho de 2011

Bom Português?

Nos últimos tempos têm aumentado significativamente as discussões a respeito das questões do uso da língua. Não seria nada ruim se o que tem sido veiculado não fosse carregado de preconceitos e de uma visão arcaica da língua. As críticas atingiram um número maior desde a divulgação da distribuição do livro Por uma vida melhor pelo Ministério da Educação paras as escolas públicas do país. Elas dão conta de que o reconhecimento da língua coloquial, abordado no referido livro é prejudicial e nocivo aos alunos que iriam desaprender o bom português.

Na tentativa de amarrar, prender e fossilizar o idioma as críticas ao reconhecimento de uma variedade não-padrão no ambiente escolar, ganham força e mais adeptos. O que, na realidade, é prejudicial é o ensino de língua que tem sido realizado até agora em nosso país. Além de pregar o radicalismo em relação à variedade culta da língua, desconsidera todo o histórico sócio-cognitivo que os falantes-alunos trazem e carregam consigo na vida extraescolar.

Numa análise simplista da língua em uso, podemos constatar facilmente, leigos ou especialistas no tema, o caráter mutável da língua. Quando chegamos em sala e dizemos que vamos ensinar o certo, afirmamos, por trás disso, que o aluno não sabe, que o que ele tem como referência não necessariamente é válido.

Obviamente que é principalmente no ambiente escolar que os falantes-alunos precisam ter contato e serem estimulados a dominar com competência o uso padrão da língua por uma série de questões sócio-culturais, mas ao desconsiderar todo o conhecimento trazido pelo aluno é afastá-lo cada vez mais das aulas de língua portuguesa. E se o ensino da língua materna não tem sido tão eficiente até hoje nos moldes como é realizado há décadas não seria esta a hora de rever algumas questões?

"Eterno Retorno"


Chegou a hora em que fazer aniversário dá medo! A segunda metade dos vinte e poucos anos... ai ai... nunca mais menina! Óbvio que tudo vivido até aqui valeu a pena... liberdade, independência, responsabilidade, conquistas, porres, tropeços nas pedras do caminho, os (des)amores, os amigos, a família. Enfim, amadurecer é bom. Mas, bem que o tempo poderia diminuir a voracidade com que engole os dias. Medo de envelhecer? Não diria! Ou melhor, digo sim! A responsabilidade dos meus atos é atribuída cada vez mais a mim e só a mim! (em 19/03/2011)



Soneto número 12

(William Shakespeare - tradução de Ivo Barroso)


Quando a hora dobra em triste e tardo toque
E em noite horrenda vejo escoar-se o dia,
Quando vejo esvair-se a violeta, ou que
A prata a preta têmpora assedia;

Quando vejo sem folha o tronco antigo
Que ao rebanho estendia a sombra franca
E em feixe atado agora o verde trigo
Seguir o carro, a barba hirsuta e branca;

Sobre tua beleza então questiono
Que há de sofrer do Tempo a dura prova,
Pois as graças do mundo em abandono

Morrem ao ver nascendo a graça nova.
Contra a foice do Tempo é vão combate,
Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

E mais uma vez Drummond tem razão!

Para sempre


Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade