sexta-feira, 1 de julho de 2011

Animus Imperfectus


(...) " Porque, na verdade, oh deusa muito ilustre, o
meu coração saciado já não suporta esta paz, esta doçura e esta beleza
imortal. Considera, oh deusa, que em oito anos nunca vi a folhagem destas
árvores amarelecer e cair. Nunca este céu rutilante se carregou de nuvens
escuras; nem tive o contentamento de estender, bem abrigado, as mãos ao
doce lume, enquanto a borrasca grossa batesse nos montes. Todas essas
flores que brilham nas hastes airosas são as mesmas, oh deusa, que admirei
e respirei na primeira manhã que me mostraste estes prados perpétuos - e
há lírios que odeio, com um ódio amargo, pela impassibilidade da sua
alvura eterna! Estas gaivotas repetem tão incessantemente, tão
implacavelmente, o seu voo harmonioso e branco, que eu escondo delas a
face, como outros a escondem das negras Harpias! E quantas vezes me
refugio no fundo da gruta, para não escutar o murmúrio sempre lânguido
destes arroios sempre transparentes! Considera, oh deusa, que na tua ilha
nunca encontrei um charco; um tronco apodrecido; a carcaça de um bicho
morto e coberto de moscas zumbidoras. Oh deusa, há oito anos, oito anos
terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta e o
sofrimento... Oh deusa, não te escandalizes! Ando esfaimado por encontrar
um corpo arquejando sob um fardo; dois bois fumegantes puxando um arado;
homens que se injuriem na passagem de uma ponte; os braços suplicantes de
uma mãe que chora; um coxo, sobre a sua muleta, mendigando à porta das
vilas... Deusa, há oito anos que não olho para uma sepultura... Não posso
mais com esta serenidade sublime! Toda a minha alma arde no desejo do que
se deforma, e se suja, e se espedaça, e se corrompe...
Oh deusa imortal,
eu morro com saudades da morte!" (...)


"A perfeição" Eça de Queiróz martelando na minha cabeça!
Nunca, em tempo algum, a perfeição foi descrita com tanta imperfeição. ESPETACULAR!

Se é humano, só contenta-se com a mais bela e pura Imperfeição.

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